Remake de um jogo com mesmo título de 2002 Mafia – Definitive Edition, lançado em setembro de 2020, feito pelo estúdio Hangar 13, retrata de maneira fiel a essência do universo gangster em seu auge anos 30, romantizado em filmes como Os Intocáveis, Inimigos Públicos e Scarface (original de 1932). Aqui a parte técnica muitas vezes saltam aos olhos devido ambientação caprichada procurando cumprir a promessa em ser a versão definitiva, mas será que consegue?

Baseada na fictícia Lost Heaven, inspirada em Chicago, uma das cidades mais representativas sobre esse período junto com Nova Iorque, o jogador assim que começa é apresentado a um plano aéreo da região no intuito de mostrar logo no primeiro momento toda a qualidade gráfica e detalhamento presente no jogo. Passa pelo mar, monumentos costeiros como faróis, paisagens tipicamente rurais até coincidir com a parte urbana que está repleta de vida composta por pessoas caminhando nas ruas, diferentes tipos de automóveis, enormes edificações, trens, navios, trechos que vão se diferenciando para impressionar.

Após essa introdução o protagonista, Tommy Angelo, é revelado num café e partir daí começa narrar os eventos que irão direcionar o andamento estória para uma pessoa em sua compainha. Esse depoimento segue ao longo dos 20 capítulos que ao todo tem em média duração de 14 horas para completar a campanha. É possível também perceber tentativas em aproximar essa linguagem do roteiro com algumas obras dirigidas por Martin Scorsese visto em Cassino e Os Bons Companheiros, esse com grande influência nos acontecimentos.  


Ouvir as rádios com músicas características assim como as notícias pelos locutores reforçam a ideia da direção de arte impecável junto ambientação que retrata os anos 30 de uma grande cidade americana, existe também um pouco de LA Noire aqui. Os responsáveis pela caracterização conseguiram obter bons resultados pelas escolhas. A dublagem ganha destaque, mesmo sem contar com localização PT-BR, chama atenção, o protagonista tem traços de Humphrey Bogart, imortalizado com o papel Rick Blaine no clássico filme Casablanca, em sua composição. A fase do aeroporto é uma clara referência.

Elementos comuns aos jogos da Rockstar estão presentes. É inevitável não fazer comparações com GTA, de início pode parecer plausível uma vez que a estrutura do gameplay segue similar incluindo perseguição da polícia, roubo de carros e mais alguns detalhes, entretanto, Máfia - Definitive Edition é mais contido nos objetivos. Tirando as tarefas principais, localizar certos modelos de automóveis, revistas, cards e estátuas de raposas não se tem muito o que ser feito. A estrutura construída foi organizada para visualizar apenas o que estava no script, tornando dispensável qualquer tipo de exploração apesar da seção Mapa Livre.

O máximo permitido para tentar aproveitar o ambiente é andar com os veículos pela cidade indo de uma missão para outra, entretanto, não deixa de ser compreensível imaginar incursões mais amplas nas diferentes regiões de Lost Heaven, por exemplo, fazer atividades paralelas, concluir estórias menores ou aventurar-se mais em locais pouco explorados. A cidade poderia proporcionar esse tipo de coisa por conta da sua extensão, diversidade e claro pelo tema uma vez que existem conflitos entre diferentes organizações.

Os desenvolvedores optaram em colocar todos os esforços na estória principal que possui grandes méritos, ela é bem definida e traça de maneira competente a trajetória de Tommy Angelo dentro da famiglia Salieri. Com o desenrolar do roteiro muitos elementos comuns aos filmes do gênero estão presentes: homem simples que vê a chance em mudar de vida através da organização, forte elo de amizade com outros membros, aproximação com quem chefia essa estrutura, interesse amoroso, traição. Questões humanas são devidamente trabalhadas, existe incertezas, dúvidas, reflexões. 

Entretanto, faltou dar aprofundamento em personagens importantes para o entendimento da trama. Apesar de não influenciar a estória poderia ficar mais densa e mais dramática com o desenrolar das situações, uma delas inspirada na celebre cena do bastismo de O Poderoso Chefão. Contudo, dentro da proposta é competente na condução mesmo sem essas observações, consegue apresentar aquilo que está oferecendo: um jogo linear, bons gráficos e enredo justificável.  


Agora algo que não pode ser reclamado é sobre a qualidade da gameplay, o sistema adotado é bom e as missões exigem diferentes abordagens onde as vezes basta sair atirando enquanto algumas requer cuidado para não ser visto, em resumo é isso, com variações pontuais dependendo de qual etapa esteja. Mas, nada que já não tenha sido visto anteriomente. A seleção de armas também é padrão aos jogos do estilo: curto alcance, calibres maiores, combate corporal e explosivos. Até os jogadores menos experientes no gênero devem entender a mecância sem maiores problemas.

O desenvolvimento das missões é progressivo da mesma maneira que Tommy Angelo vai se adequando a nova realidade. As primeiras são mais simples e não exigem usar armas de fogo, passa por uma fuga de veículos e de outras pessoas, depois trabalhos menores como cobrar dívidas e assim sucessivamente até chegar as partes mais elaboradas e violentas, a partir desse momento com amplo conhecimento do arsenal, enfim, um gangster gabaritado sendo habilidoso com armas e como pioloto de fuga, uma vez que utilizar carros e motos é parte obrigatória do jogo. 

Dirigir os diferentes veículos é de fácil entendimento aos menos acostumados. Aqui existe a possibilidade em estabelecer limite de velocidade para respeitar as regras de trânsito evitando chamar atenção da polícia o que acarretaria numa perseguição e também optar pela troca de marcha entre o manual ou automático dependendo do gosto de quem está no controle. As partes com direção são divertidas seja em fugas ou corridas, uma das missões próximo do começo é uma disputa de carros que vai requerer atenção ou então será preciso repetí-la algumas vezes.

Esse contraponto entre ação, infiltração e corrrida torna o jogo dinâmico sendo agradável tanto para um público casual quanto aos que são adeptos de maiores desafios. Na escolha dos níveis além dos tradicionais "Fácil", "Médio" e "Difícil" existe o "Clássico" apresentado com grau maior de dificuldade onde os inimigos são mais agressivos, mais resistentes, causam mais dano e recursos (curativo, munição, equipamento) são mais escassos, sendo preciso muita cautela para ir avançando através das fases. 

Antes de seguir em direção para uma tarefa nova é dada a chance de escolher veículos, armas mais adequadas, pegar algumas referências e caso queira pode trocar de roupa na base de Don Saliere que serve como uma grande sala segura. Ali liberando interações com NPCs, objetos, encontrar fotografias e ver algumas manchetes de jornais narrando os últimos acontecimentos em Lost Heaven. As adições têm valor, aumenta a possibilidade em saber mais, admirar a coleção de carros que segue com um dos pontos altos dessa versão e ter a sensação de estar num ambiente interativo apesar de ser o único lugar onde isso acontece.


Apesar dos esforços em fazer uma nova versão que pudesse aproveitar todo o poderio dos consoles da  geração passada, na maioria das vezes consegue, Mafia – Definitive Edition sofre com problemas de performance como quedas de quadros, física estranha em certas situações e bugs que podem atrapalhar na evolução do jogo, esse último o mais sério dentre as imperfeições.

Carros sumindo durante perseguição, vegetação aparecendo do nada, edifícios brotando quase em cima da estrada, sons desconexos com o momento, o personagem que simplesmente afunda no chão sem motivo aparente são exemplos dos mais simples. Já outros podem ser frustrantes como ficar preso em paredes invisíveis, sofrer dano sem ter feito algo para isso, não conseguir se quer andar e não ter qualquer reação, sendo necessário reiniciar capítulos inteiros na esperança de dar um jeito - aconteceu isso comigo na última missão - ou simplesmente do jogo fechar sozinho.

Momentos mais intensos podem apresentar falhas, os combates com explosões, muitos inimigos na tela e sequências frenéticas são provas dessas situações. Uma sequência específica ilustra tal coisa, ocorre quando Tommy Angelo e seus companheiros estão dentro de um caminhão fugindo da polícia, os travamentos são notórios, contudo, não chega atrapalhar de forma significativa. Fatores climáticos a exemplo da chuva também contribuem para essa instabilidade nos frames e talvez por conta disso surjam somentente em raras circunstâncias pré-estabelicidas no roteiro.

A física também fica devendo algumas vezes, durante a utilização de veículos a mais leve batida ou passar por cima de algo pode fazer o jogador perder o controle de forma exagerada, numa fase envolvendo corridas de carro o problema torna-se mais preceptível. Ver objetos flutuando em cena aqui e ali não é exceção, são corriqueiros, isso transmite a sensação que faltou pouco mais de capricho.

Os constantes deslizes afetam parte da estrutura parecendo que faltou pouco atingir o ápice, mas os percalços mostrados, variando entre irrelevante ao problemático, lembra as constantes barreiras que não puderam ser superadas em contraste com o belo desempenho audiovisual. Essa mancha termina tirando pontos valiosos no panorama geral, quem sabe com maior atenção aos detalhes não tivesse sido um jogo melhor acabado e marcante para o público uma vez que possuiam ferramentas para isso acontecer.



Mas, afinal é um bom jogo?

Mafia – Definitive Edition apresenta a melhor estória dentre os demais jogos da série, ainda faz uma pequena ponte para a continuação Mafia II, aproveitou ao máximo recursos do fim da geração passada de consoles para entregar o que de melhor poderia oferecer: bons gráficos apoiado por atores reais para a captura de movimento e feições, enredo mais aprofundado em aspectos antes não mostrado no jogo original e uma gameplay mais fluída comparado seus sucessores.

A ambientação segue como a melhor coisa. A caracterização de Lost Heaven, a grande variedade dos modelos de veículos, a trilha sonora que remetem a década de 1930, a dublagem competente apresentam qualidades digna dos jogos AAA dos últimos anos, entretanto, faltou dar finalidade maior ao mapa. Por mais que seja um ambiente extenso, rico em detalhes e um jogo mundo aberto não existem atrativos para exploração entre missões ou mesmo pós-conclusão, praticamente forçando fazer apenas os objetivos em tela.

O combate é bom, um shooter em terceira pessoa, utilizando recursos já conhecidos do estilo facilitando a familiaridade com outros títulos além de coberturas que permitem dinâmica maior e proteção enquanto avança as fases em momentos de ação. Mas, não só de tiroteio vive Mafia existem trechos que requer infiltrações sem chamar atenção e elas não são poucas, isso contribui para variações de missões onde praticamente não há repetição entre elas, cada uma seguem com objetivos diferentes. Contudo, também apresenta deslizes técnicos miras mais precisas podem ser um problema assim como quedas de quadro.

O ponto mais baixo está em seu desempenho. Há uma grande quantidade de bugs onde muitas não são prejudiciais já outras, mesmo que em menor quantidade, interferem na imersão e pode infligir perdas do progresso, esse o fato mais crítico. Ter de voltar capítulos inteiros é desestimulante, algo que jamais deveria acontecer e tal fato revela que houve descuido numa das pilastras mais importantes de qualquer jogo.

Para concluir, Mafia – Definitive Edition possui qualidades e falhas, o que talvez faça a diferença é como irá ser visto pelo jogador. Se espera algo próximo as experiências de um GTA com mundo aberto que oferece infinitas possibilidades esse não é o caso, tudo aqui é feito para seguir as amarras da campanha. Entretanto, se espera uma experiência menor, linear e uma estória bem desenvolvida aos moldes de filme de máfia com direito inúmeras referências quem sabe pode gostar do título que mesmo com suas imperfeições consegue apresentar um produto ao menos merece ser conferido.